“Ainda há um tabu a ser quebrado”, diz primeira mulher a comandar uma Cipe na Bahia

Segundo ela, a Cipe Litoral Norte trabalha com crimes de alta complexidade, principalmente o tráfico de drogas, que tem crescido em todo o Brasil.

“Ainda há um tabu a ser quebrado”, diz primeira mulher a comandar uma Cipe na Bahia

Em Feira de Santana, nesta quarta-feira (7), para participar de um Seminário de Transportes na cidade e tratar dos trâmites finais para a implantação de uma base da Cipe Litoral Norte no distrito de Humildes, a major Carina Fernanda da Silva Cunha foi a primeira mulher da história da Polícia Militar a ocupar o cargo como comandante de uma especializada.

Em entrevista ao Acorda Cidade, ela fez um balanço dos 9 meses de atuação no comando da Cipe, e falou das conquistas alcançadas pelas mulheres ao longos dos últimos 30 anos na corporação, que é majoritariamente ocupada por pessoas do sexo masculino.

“Sou a primeira comandante da Cipe Litoral Norte na Bahia. É uma honra e uma responsabilidade, é uma companhia inclusive histórica. Sou a primeira, desbravadora, neófita, mulher, mas como já tenho feito 25 anos na Polícia Militar de serviços prestados, tenho experiência, e o comandante-geral e o governador reconheceram essa capacidade, e aqui estou neste desafio. É uma companhia especializada, e temos 11 unidades como esta na Bahia. Cada uma delas lida com as fronteiras, as divisas entre os estados com a Bahia, e a gente faz a divisa com Sergipe”, contou a major.

Segundo ela, a Cipe Litoral Norte trabalha com crimes de alta complexidade, principalmente o tráfico de drogas, que tem crescido em todo o Brasil.

“A gente apoia os municípios, as unidades ordinárias de polícia, quando elas não conseguem atender tais especificidades criminais, as quais necessitam de uma capacidade técnica mais apurada. Temos equipamentos, armamentos, e a própria escala de serviços nos permite treinar todos os ciclos antes do efetivo serviço. A gente tem um treinamento contínuo, e a nossa base é treinar, operar e dar treinamento, o que nos capacita cada dia mais a enfrentar os crimes de alta complexidade, como tráfico de drogas, ataques a instituições financeiras, homicídios de um modo geral”, relatou.

Questionada sobre como observa a ascensão das mulheres em mais cargos de liderança, como na Polícia Militar, a Major Carina Fernanda ressalta que apesar de todos os avanços alcançados dentro da instituição, ainda há um tabu a ser quebrado sobre a capacidade física e intelectual das mulheres frente aos homens.

“A Polícia Militar tem mulheres integrando há apenas 30 anos, e eu tenho 25 anos. Quando cheguei à corporação, nós ainda não tínhamos alojamentos e banheiros adequados em locais específicos, então isso foi um crescimento paulatino, mas contínuo, e é natural que tenha que ser dissociado do machismo, porque é uma instituição masculina. Mas estamos, com certeza, conquistando nosso espaço, não que sejam os mais importantes, mas cada mulher tem seu espaço e sua capacidade em várias áreas”, avaliou.

O preconceito contra mulheres em cargos de liderança e determinados postos de trabalho se reflete em todas as áreas do cotidiano.

“A gente enfrenta a discriminação todos os dias na vida, imagine em uma instituição militar. Mas erguemos a cabeça e não desistimos. Muitos ainda não acreditam que somos capazes de operar na área. Por conta da forma física que, talvez, seja menor? Mas eu me acho muito mais forte fisicamente do que alguns colegas, e também intelectualmente. E por que seríamos menos capazes? Acho que ainda há um tabu a ser quebrado, e fico feliz em fazer parte dessa história na Polícia Militar”, enfatizou.

A prova de que ainda há um longo caminho a ser trilhado é que atualmente a major comanda uma equipe com 110 pessoas, mas somente quatro são mulheres. Por outro lado, ela acredita que a PM está evoluindo nessa questão, tanto que alcançou um cargo de extrema confiança e com diversas missões a serem cumpridas.

“A gente que é comandante de unidade não tem que ser somente o melhor operador e atirador, temos que ser gestores de pessoas, administrativos, recursos humanos, e temos que margear todos os locais. Talvez eu não seja a melhor administradora ou a melhor operadora, mas um pouco disso a gente consegue fazer com amor e dedicação, e vou para o fronte sim, senão não estaria aqui. O comandante-geral é caveira, preparadíssimo, e me sinto honrada dele confiar no meu trabalho. O curso de caveira é de operações especiais, que exige muita capacidade física, emocional, equilíbrio, técnica. E eu tenho um curso na Caatinga, que também é operacional e exige muito esforço físico, mental, psicofadiga, a gente não dorme, não come, não toma banho, porque a atividade exige isso e fazemos muitas operações rurais”, observou.

Como exemplo de missão exercida por policiais da Cipe, está a erradicação de pés de maconha em áreas afastadas.

“A gente acha que está a 5 km, mas pode estar a 10km, e de repente a gente encontra alguma dificuldade pelo caminho, e se a gente precisar ficar uma semana no mato, a gente tem que saber sobreviver a todas aquelas circunstâncias até chegar ao objetivo, que a gente tem que perseverar até concluir a missão.”

Lutadora de artes marciais, Carina Fernanda tem o esporte como seu aliado, tanto para o fortalecimento físico quanto mental, para encarar as lutas do dia a dia. “Fiz caratê quando era criança, mas quando entrei na polícia fiz Judô e fui bicampeã nacional nos Jogos Olímpicos das Polícias Militares, e às vezes pratico o Boxe, pois isso também extravasa. Sou faixa rocha no Judô”, completou.

Logo quando assumiu o comando da Cipe Litoral Carina Fernanda também viu crescer o interesse da população por sua vida pessoal nas redes sociais, de pessoas interessadas e curiosas para saber como é a rotina de uma policial militar.

Hoje a policial também acumula a função de digital Influencer, com mais de 14 mil seguidores no Instagram, onde mostra o seu dia a dia e tenta desmistificar pensamentos relacionados à vida na Polícia.

“Quando assumi o comando da Cipe, muita gente buscou o meu perfil pessoal, e do dia para a noite tinha 3 mil pessoas tentando seguir. Então achei interessante abrir para matar a curiosidade daqueles que gostam da Polícia Militar, que admiram o trabalho, e em pouco tempo – vou fazer 9 meses de comando – atingi essa marca de 14 mil, sem pretensão alguma, somente para divulgar, desmistificar, que a gente é ser humano normal, temos nossas necessidades. Somos alçados na sociedade, porque ninguém que é filho de gente rica quer ser policial militar, somos de famílias simples e temos sonhos simples”, frisou.

Fonte: Site Acorda Cidade/ Feira de Santana